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Quem é Judeu II

REVISTA PeR (1465)'
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Artigo

O JUDAÍSMO, RAÇA ou RELIGIÃO?
CIÊNCIA E RELIGIÃO

VASCONCELOS (Rio de Janeiro) : «Quais os critérios para que alguém possa ser considerado judeu?
Basta que tenha sangue judaico ou será necessário professe também a religião judaica?»

A questão acima tem-se imposto com insistência ao mundo contemporâneo, em vista da recente criação do Estado de Israel. Problemas étnicos e religiosos dai derivados vêm sendo àrduamente debatidos, implicando geralmente consequências práticas de importância. A fim de tomar posição diante do que se tem dito sobre o assunto, analisaremos em primeiro lugar a situação religiosa e civil dos habitantes do pais israelense; a seguir, focalizaremos o último decreto de Israel que estabelece os critérios para se dizer se alguém é judeu ou não.

1. A situação religiosa e civil em Israel

1. O povo de Israel diferencia-se dos demais povos através da história por ser marcado simultaneamente por duas notas: o sangue e a religião. Foi, sim, uma vocação religiosa que tez que Abraão (séc. XVIII a. C.) abandonasse sua terra e sua parentela, a fim de dar origem a uma linhagem nova — a linhagem israelita, assinalada tanto por caracteres étnicos («raciais», como se diz) como por sua inconfundível fé religiosa (monoteísmo, em meio ao politeísmo dos pagãos). Essa linhagem de Abraão conservou-se sempre coesa e forte através dos seus dezoito primeiros séculos de existência, por causa do ideal religioso : o povo de Abraão nesse período sempre foi o povo que esperou o Messias ou a salvação proveniente de Deus; constituiu uma teocracia, cuja Magna Carta compreendia ao mesmo tempo leis religiosas e leis civis, de modo que toda a vida pública e particular dos israelitas tomava caráter religioso.

Uma vez expulsos da sua pátria e dispersos pelo mundo no início da era cristã (70 d. C.), os israelitas perderam o direito de possuir legislação civil própria, tendo que se conformar às leis das nações nas quais se domiciliaram; guardaram, porém, intata a sua legislação religiosa.

2. Foi o que se deu por toda a Idade Média e a Idade Moderna... até 1948, quando se restaurou o Estado nacional de Israel; então o povo de Abraão se viu em situação de que ele já não desfrutava havia quase 1900 anos; viu-se, sim, dotado do poder de formular e observar autonomamente suas leis civis e religiosas como nos tempos de Moisés (séc. XIII a. C.). Não há dúvida, tal situação é a que mais condiz (ou mesmo é a única que condiga) com as tradições e a índole de Israel; contudo ela acarretou, e está acarretando, problemas sérios para os judeus de hoje.

Com efeito, a maioria destes já não atribui à religião o valor primacial que os ancestrais lhe tributavam, de modo a fazer da sua fé a fonte de inspiração das suas instituições civis e do seu gênero de vida nacional. Há, sim, residentes atualmente no país de Israel, judeus ditos ortodoxos, fiéis observantes da Lei de Moisés; há também judeus reformados, que seguem uma disciplina nova, de ritos e observâncias simplificados, segundo as tendências da mentalidade moderna; existem outrossim judeus liberais, cuja fé pretende ser tradicional, mas já se acha assaz embotada; encontram-se igualmente judeus indiferentes ou até mesmo ateus, para quem a religião nada significa. Sabe-se que não poucas famílias nos últimos anos imigraram para o Estado de Israel, sem compartilhar o ideal religioso dessa nação...; eram famílias não raro constituídas por um consorte judeu e outro cristão, que tinham em vista apenas escapar à opressão sofrida nos países da «cortina de ferro»; tentaram recomeçar a vida em circunstâncias diferentes, talvez mais alvissareiras, mas várias dessas pessoas em breve se deram por decepcionadas pelas dificuldades encontradas na própria terra da Palestina...

Estatísticas baseadas em resultados das eleições políticas no Estado de Israel projetam alguma luz sobre a mentalidade da população. Em verdade, calcula-se que haja 12 a 15% de judeus rigorosamente ortodoxos, pois tal é a porcentagem de sufrágios que tem tocado aos partidos explicitamente religiosos. Os observadores costumam aumentar a cota até 18 ou 20%, pois se sabe que nem todas as pessoas religiosas votam sempre em' partidos religiosos, mas preferem por vezes os do centro; há cerca de 20% de cidadãos explicitamente sem religião, pois tantos são os eleitores dos partidos radicais da esquerda; contam-Se entre 5 e 10% de liberais, que votam em partidos de orientação burguesa e tendem a se reunir em torno de programas «progressistas».

Postas de lado essas cifras de pessoas cujas idéias são mais ou menos definidas, julga-se que existem em Israel 50 ou 55% de cidadãos mais ou menos indiferentes; constituem a massa da população, que frequenta por vezes a sinagoga, mas frequentemente nem sabem «em que gaveta se acha o seu livro de orações» (dado que o tenham); são pessoas que, embora não contradigam à religião, «não têm tempo» para atender aos preceitos desta; mandam circuncidar os seus filhos unicamente a fim de guardar uma tradição de família.

Em tais condições, vê-se que não é fácil a um governo orientar-se em assuntos religiosos.

3. Como tem procedido o Estado de Israel nessas circunstâncias?

O governo, ao menos em teoria, reconhece a toda a população plena liberdade de consciência, de modo a não constranger cidadão algum. Na prática, porém, o Estado se comporta como se tivesse oficialmente uma religião e como se essa religião fosse a dos antepassados judeus. Principalmente a profissão de Cristianismo é tida como apostasia... apostasia não só religiosa, mas também étnica, civil; o israelita feito cristão é tido como desertor da comunhão nacional.

Em consequência, acontece que todo judeu residente em Israel tem que pertencer a uma coletividade religiosa. E, caso não se pronuncie explicitamente em sentido contrário, é tido como membro da comunidade religiosa Israelita: a «Knesseth-Jisrael»; ele não pode sair desta sem entrar em outra sociedade religiosa...

A «Knesseth-Jisrael» professa a estrita ortodoxia judaica, inspirada pelo Talmud ou pelas sentenças dos antigos rabinos; é, portanto, de acordo com os preceitos e os ritos destas que se celebram a circuncisão, assim como a maioria dos casamentos e dos funerais em Israel. Não há ai matrimônio meramente civil.

Verifica-se, porém, estranho fenômeno: até um ateu pode fazer parte da «Knesseth-Jisrael» (e não são poucos os cidadãos que se acham nessa situação). As autoridades governamentais se contentam com a adesão meramente extrínseca ou formal dos cidadãos à «Knesseth-Jisrael»; basta que não contradigam à fé tradicional e sigam, nas grandes ocasiões da vida, os seus preceitos. Já isto permite dizer que Israel constitui um só grupo étnico e, ao mesmo tempo, religioso; salva-se assim a índole própria que sempre caracterizou o povo judeu, isto é, a sua índole religiosa, sem que por isto se tire a liberdade de pensamento e conduta dos cidadãos. — Tem-se dito, em consequência, que a religião se tornou uma «ficção nacional» em Israel.

Assim acontece que o ensino da Bíblia é obrigatório em todas as escolas de Israel; o Estado, porém, não define o que é a Bíblia; em consequência, nos educandários religiosos, é estimada como a Palavra de Deus, ao passo que nos institutos liberais passa por um livro de história nacional.

O sábado é, como se dirá adiante, o dia de repouso oficial no pais israelense. Contudo o governo não se pronuncia sobre a origem e a finalidade dessa norma; será instituição religiosa ou, antes, um estatuto meramente humano e social?

Destarte o governo israelense dá à vida pública certos moldes que são estritamente inspirados pela religião tradicional de Israel; não trata, porém, do conteúdo que a tais moldes dão os cidadãos; muitos destes, sem dúvida, observam as leis religiosas com ânimo religioso; muitos outros, porém, praticam a observância religiosa sem possuírem a religião correspondente.

Contra a redução da religião à categoria de «ficção» não se conformam certos núcleos de judeus ortodoxos... Pleiteiam, da parte de seus concidadãos, uma adesão mais plena à fé e às observâncias dos pais; dai a pressão dos rabinos e de fiéis piedosos em favor de uma prática religiosa mais profunda e gene. realizada em toda a população nacional.

Contudo a maioria dos israelenses, mesmo dos ortodoxos, aceita a «ficção». Percebem que é impossível em nossos dias dar ao governo civil e à vida pública uma constituição semelhante à da antiga teocracia de Israel; não se poderia exigir que um povo vivesse hoje como nos tempos de Moisés (séc. XIII a. C.). Por isto a maior parte dos cidadãos e o governo se contentam com o esforço por dar à vida nacional um caráter religioso que se aproxime o mais possível do ideal.
Ora esse esforço, essa tendência, têm provocado conflitos entre blocos da população israelense e o próprio governo.
A título de ilustração, eis abaixo mencionados três dos principais temas de controvérsia:

1) O sábado. A Lei de Moisés prescreve que em dia de sábado o israelita, lembrando-se da narrativa da criação do mundo (Gên 1,1-2,4), se abstenha de todo trabalho, de toda espécie de criação, por conseguinte. .. até mesmo de acender fogo (pois isto, embora não seja trabalho pròpriamente dito, é equiparado a uma criação); cf. Êx 21, 8s. — Tal preceito é levado extremamente a sério pelos judeus ortodoxos; contudo na sociedade moderna, como se compreende, torna-se praticamente impossível observá-lo como os rabinos o desejam (em terra estrangeira a sua observância é possibilitada aos Israelitas pelo auxilio que lhes prestam os amigos e domésticos não judeus).

Consciente da importância religiosa do sábado, o governo de Israel o declarou dia oficial de repouso, no qual deixam de circular os transportes públicos, se fecham as lojas comerciais e as casas de divertimentos. As leis do governo são rigorosamente interpretadas e aplicadas nos lugares em que predomina a ortodoxia: assim, em Jerusalém, o começo do sábado é assinalado por cidadãos (pertencentes ao bloco ultra-ortodoxo dito «Naturej Karta», Guardas da Cidade) que saem pelas ruas a tocar trombeta e incitar os comerciantes a fechar as lojas. Certas empresas de táxis, que funcionam com a autorização do governo, têm sido sabotadas; veículos particulares têm sido apedrejados.

No bairro «Mea-Schearim» de Jerusalém, os habitantes ciosos da ortodoxia chegam a barrar o trânsito pelas ruas. Contudo, junto a esse bairro os liberais construíram a sede de um clube de diversões, que naturalmente se abre também aos sábados; em consequência, a população de «Mea-Schearim» começou a fazer demonstrações contrárias ao clube; daí se originaram choques violentos, que provocaram a intervenção da policia para proteger o clube; houve feridos e mortos... Finalmente a causa foi entregue a uma comissão de inquérito, diante da qual o rabino S. Scrotschim destemidamente declarou: «Não podemos permitir que não haja coação religiosa. Se o Estado tem seus meios de coação para impor leis humanas, será certamente lícito tratarmos de que também as leis do céu sejam devidamente observadas».

A população liberal tem reagido através da imprensa e de demonstrações que vêm exigindo repetidamente a intervenção da policia. Muitos saúdam, sim, o sábado como «dia de repouso bem merecido»; queixam-se, porém, de que isso de nada lhes adianta, pois têm que caminhar duas horas a pé para ir até a praia mais próxima...

2)   Os alimentos proibidos. As leis religiosas referentes a alimentos puros e impuros foram, no decorrer dos séculos, tão especificadas pela casuística judaica que somente a Índia possui legislação mais minuciosa. Nessas circunstâncias, os rabinos de Israel têm o direito de supervisionar rigorosamente os matadouros, a fim de evitar seja vendida carne proibida. Disto resulta que, embora o governo declare lícito a todo cidadão judeu comer o que quiser (até mesmo carne de porco), é praticamente impossível obter carne proibida pela legislação religiosa de Israel; os partidos ortodoxos conseguiram também que só seja importada para Israel carne religiosamente lícita, a qual resulta por vezes bem mais cara do que a carne ritualmente impura... — Acontece, porém, que 70% da população não se importa com as distinções alimentares dos rabinos; em consequência, sente-se constrangida pelo estado de coisas vigente e incitada a represálias.

3)   A legislação matrimonial. Esta é toda inspirada pelos princípios da religião tradicional israelita, que assim se tornam obrigatórios até mesmo para os ateus; como já dissemos, não há matrimônio meramente civil em Israel. Caso um judeu queira esposar uma consorte não judia (ou vice-versa), a parte não judia tem que se passar oficialmente para a religião israelita (o que não se recomenda a ninguém, pois acarreta consequências minuciosas para a vida da pessoa «convertida») ou então é a parte judia que se vê obrigada a adotar a religião da não judia, a fim de contrair casamento na comunidade religiosa desta.

Também estas normas são fonte de descontentamento em Israel, o que bem se depreende, por exemplo, do seguinte caso: há poucos anos atrás, um judeu romeno quis esposar uma cristã; ambos, porém, eram praticamente incrédulos e julgavam inconveniente professar uma religião na qual não acreditavam de coração. Em tais circunstâncias, o pretendente resolveu empreender greve de fome, a fim de mover a opinião pública...

Os rabinos rejeitam terminantemente a introdução do casamento meramente civil em Israel. Haja vista o seguinte episódio:

Um careu (membro de seita religiosa judaica que não é reconhecida pelos rabinos como ortodoxa) quis casar-se com uma genuína judia. Os rabinos opuseram a esse matrimônio um veto provisório, prometendo resolver o problema mais tarde. Já que a decisão ia sendo protraída, o caso foi levado ao Parlamento; ora este, como a opinião pública em geral, tem os careus na conta de autênticos israelitas. A situação se tornou tão tensa que o Primeiro Ministro Ben-Gurion resolveu intervir, preconizando a adoção do matrimônio meramente civil para tais casos. Os partidos religiosos, porém, lhe responderam energicamente: caso a nação não seguisse em tudo, e de maneira exclusiva, a legislação matrimonial rabínica, em breve ter-se-iam em Israel duas facções ou um povo dividido em duas partes, pois os rabinos teriam que apresentar ao público listas das pessoas entre as quais o matrimônio religioso é permitido, e listas daquelas às quais é vedado. Por essa ocasião os judeus ortodoxos lembraram mais uma vez ao público que a unidade e a coesão do povo israelita até hoje foram mantidas por efeito da religião. Por conseguinte, querer separar vida civil e vida religiosa em Israel equivaleria a desferir um golpe fatal contra o Judaísmo, pois quebraria a unidade do povo.

Há, porém, cidadãos que recusam essa tese, pleiteando completa separação de foro religioso e foro civil em Israel. E há também os que, sem ir tão longe, desejam ao menos a reforma da legislação rabínica, a fim de que possa reger sem detrimento uma nação do século XX. Este último alvitre, por mais sensato que pareça, na prática defronta-se com dificuldades insuperáveis, pois a reforma só poderia ser empreendida por autoridade unanimemente reconhecida em toda a nação; ora tal autoridade falta...

É principalmente a situação matrimonial em Israel, assim exposta, que entra em jogo ao se propor a questão capital para a população da Palestina:

2. Quem é judeu?

Uma das leis primordiais e mais importantes do Estado de Israel é a que reconhece a todo judeu o «direito de voltar à pátria», ou seja, de estabelecer-se na terra de Israel. Contudo os magistrados da nova nação a princípio não pensaram em definir quem haveria de ser tido como judeu... A omissão bem se explica, de um lado, por não ser fácil formular teoricamente tal definição e, de outro lado, porque na prática não parece haver problema em distinguir um judeu de um não judeu. A legislação de Israel, no caso, tinha primariamente uma finalidade humanitária, mais prática do que especulativa: a finalidade de socorrer aos indivíduos que sofriam perseguição por ser tidos como judeus em nações estrangeiras.

Contudo, segundo as concepções religiosas de Israel, a noção de «judeu» é claramente caracterizada, e essa caracterização não pode escapar ao conhecimento do povo. Com efeito,
- «judeu» é o individuo nascido de mãe judia (a prole é considerada como propriedade de sua genitora); supõe-se naturalmente que tal indivíduo professe a religião de sua mãe e de seu povo (Israel);
- «judeu» é também o estrangeiro que entre no povo da Aliança aceitando a circuncisão e a fé de Israel.
Em consequência, os rabinos impugnam a identidade judaica dos sectários, em particular dos careus, que, embora sejam filhos de Abraão pelo sangue, não professam a mesma crença que Abraão.

Como dissemos atrás, logo após a fundação do Estado de Israel, o respectivo governo passava por cima desses critérios de ortodoxia, a fim de seguir a opinião pública internacional, que pouco ou nenhum caso faz das características religiosas acima estipuladas: o Estado israelense tinha como judeus também os filhos de mãe não judia e pai judeu,... também os filhos de Abraão ateus, apóstatas da fé ou excomungados da sinagoga. As instruções governamentais dadas aos funcionários encarregados do serviço de imigração e repatriação eram as mais largas e tolerantes possíveis: só faziam questão de não admitir como repatriados sujeitos que fizessem profissão de Cristianismo. Ainda aos 11 de março de 1958 o ministro (socialista) do Interior dava aos seus subalternos a ordem de reconhecer sem mais como judeu todo cidadão que «de boa fé» afirmasse ser tal; também as declarações referentes às famílias dos judeus, desde que fossem feitas «de boa fé», deviam ser aceitas sem ulteriores inquisitórios (o que, entre outras coisas, significava: os pais que asseverassem ser judia a sua prole, não poderiam ser contestados por parte das autoridades de imigração). Tais normas, como se vê, implicavam o reconhecimento de casamentos mistos, casamentos severamente proibidos pelas autoridades rabínicas. Assim o Estado de Israel caracterizava o judeu independentemente de critérios religiosos.

Eis, porém, que a mencionada instrução de 11 de março de 1958 provocou celeuma em Israel; contra ela se levantaram os círculos religiosos e os partidos da «Frente Nacional Religiosa». Aos 16 do mesmo mês, o ministro da Religião Moisés Shapira exigiu que o Conselho de Ministros revogasse a determinação do ministro do Interior. O governo nomeou então uma comissão de juristas para examinar o caso; tendo ouvido o parecer destes, o Conselho de ministros aos 22 de junho de 1958 resolveu que deveria ser considerado judeu:
- quem de boa fé declarasse ser tal e, em verdade, não pertencesse a alguma outra comunidade religiosa;
- os filhos registrados como judeus por seus pais.

Esta decisão não conseguiu satisfazer aos círculos religiosos de Israel, apesar dos esforços de conciliação do primeiro ministro Ben-Gurion. Por conseguinte, os três ministros da «Frente Religiosa Nacional» (Correios, Saúde e Religião) se retiraram do governo em novembro de 1958.

Quanto à opinião pública em Israel, ela tomou posição favorável ao governo, em detrimento do prestígio da «ortodoxia» judaica, a qual foi tida como exagerada e exorbitante no caso.

Todavia os rabinos continuaram a professar os seus princípios e a aplicá-los na vida prática. E não sem razão... Não queriam admitir uma consequência que de fato decorreria das leis governamentais: a cisão do povo israelita, povo de Deus, comunidade étnico-religiosa em duas facções — a facção meramente étnica, nacional, fundada apenas na afinidade do sangue, e a facção étnico-religiosa, a única correspondente às tradições do povo de Israel. O povo de Israel não poderia desistir de ser o povo de Deus, o povo da Aliança.

Inegavelmente, a posição dos rabinos era muito mas reta e consequente do que a de seus adversários; estes, em sua liberalidade, se deixavam guiar pelo sentimentalismo subjetivo e relativista antes que pela intuição objetiva e serena dos valores postos em jogo (a história e as tradições de Israel).

Finalmente, após novos debates, em março de 1960 a questão era encerrada mediante a promulgação de novas normas do Ministério do Interior, novas normas que praticamente davam ganho de causa aos círculos ortodoxos.

Estipulavam o seguinte:

a)   os filhos de mãe judia e pai não judeu são considerados judeus, tanto do ponto de vista étnico (nacional) como do ponto de vista religioso;

b)   os filhos de mãe não judia e pai judeu são considerados como pertencentes à nacionalidade e à religião de sua mãe, ou, caso os genitores o desejem, a qualquer outra nacionalidade e religião que não a judia;

c)    se os genitores, no caso b), se recusam a indicar uma religião não judaica para seus filhos, no registro civil dessas crianças deixa-se em branco o titulo «Nacionalidade» (embora seja prole nascida em terra de Israel) e sob o titulo «Religião» coloca-se a observação: «mãe não judia, pai judeu»;

d)   a um judeu que professe uma religião diversa da judaica, o Estado de Israel dá carteira de identidade em que o título «Nacionalidade» fica em branco.

Estas leis tiveram suas consequências para o serviço de imigração: foi denegado o direito de repatriação aos judeus que professassem religião diferente da israelita, em particular aos judeus convertidos ao Cristianismo. A todas as pessoas que no estrangeiro hajam fornecido indicações erradas a respeito de sua origem étnica ou a respeito de sua religião, a fim de ser recebidas em Israel, o governo israelense pode cassar o direito de permanecer em Israel (na prática, porém, parece que estas normas concernentes a imigrantes não são aplicadas com muito rigor). Assim são colocados em situação difícil milhares de judeus casados com mulheres não judias, assim como os filhos desses casamentos. Os judeus convertidos ao Cristianismo, sendo denunciados como tais pela sua carteira de identidade no Estado de Israel, veem-se constrangidos a não declarar a sua conversão, a fim de evitar dificuldades em sua vida profissional e social. Verifica-se, aliás, que a população israelense pode simpatizar com um cidadão não judeu domiciliado no país de Israel; acolhe-o gentilmente como hóspede. Dificilmente, porém, aceita que um judeu se converta ao Cristianismo: um tal lhe parece ser traidor do judaísmo.

Como era de esperar, a imprensa liberal israelense reagiu veementemente contra tais novas determinações do Ministério do Interior. Os protestos tomaram caráter humanitário e, à primeira vista, simpático. Não representam, porém, a índole própria e os genuínos interesses do povo israelense; este se originou e através dos séculos se conservou por efeito de sua vocação religiosa, ficando os vínculos do sangue e as instituições civis subordinados a tal vocação. Em consequência, querer dar ao sangue judaico um significado meramente étnico, «leigo» ou independente da religião, equivale a desfigurar e destruir o judaísmo.

Seja lícito, portanto, frisar: o povo judeu só tem um sentido na história: sentido religioso, que consiste em dar testemunho ao Messias, ao Cristo Jesus. É o que os filhos mesmos, desse povo insinuam ao mundo, principalmente na hora atual, em que mais uma vez se afirma a religiosidade de Israel; embora não professem diretamente a fé em Cristo, os israelenses da Palestina de hoje constituem um dos mais eloquentes arautos da veracidade do Cristianismo.



Merece atenção uma obra recém-publicada pela UNESCO («Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura») na série «The Race Question in Moderne Science» (A questão racial perante a ciência moderna). É da autoria do Professor Harry L. Shapiro, Diretor do Departamento de Antropologia do Museu de História Natural de Nova Iorque, e intitula-se «The Jewish People: a Biological History» (O povo judaico : uma história biológica), Unesco. Paris.

A posição do autor nesse estudo pode-se resumir nos seguintes termos:

1. Do ponto de vista biológico, não existe raça judaica. Os pretensos caracteres raciais distintivos dos judeus, após séria análise científica, já não podem ser considerados tais; com efeito, nem cabelos frisados, nem olhos negros nem nariz aquilino... são comuns aos judeus em todas as partes do mundo; em geral, os israelitas tendem a se assemelhar à população em meio à qual vivem. Para confirmar esta proposição, o autor cita os seguintes resultados de pesquisas recém efetuadas:

- 14 a 20% dos judeus oriundos da Europa oriental têm os olhos azuis, ao passo que entre os israelitas do Iraque essa cor só se encontra em 2%;
- em um grupo de judeus do Mzab, no sul da Algéria, 70% dos indivíduos têm cabelos frisados, enquanto grupo análogo no Iraque só apresenta cabelos lisos.

Grande importância é atribuída pelos estudiosos modernos aos chamados «grupos sanguíneos» (tipos de sangue resultantes da respectiva composição: tipo A, B, O, M, N, SS, P, Rh, Lutheran, Kell, Lewis, Duffy, Kidd...). Ora verifica-se que a distribuição dos grupos sanguíneos entre os judeus é mais ou menos a mesma que entre os não judeus: por exemplo, em todos os indivíduos humanos (israelitas ou não) o sangue tipo B é relativamente raro na Europa (10% no máximo), mas frequente na Ásia (30 ou 40%).

Conclui então o Prof. Shapiro:

«Tais confrontos, e ainda outros que poderiam ser efetuados em escala muito mais ampla, provam que não é possível satisfazer às condições fundamentais para se afirmar que os judeus constituem um grupo racial próprio... As diversas comunidades judaicas diferem entre si de maneira demasiado significativa para que possam ser tidas como raça única».

2. Dito isto, pergunta Shapiro: como então puderam os israelitas manter-se como povo ainda hoje cioso de seus direitos, embora tenham perdido seus traços biológicos comuns?

Em resposta, o autor indica o fator religioso, que desde o inicio da história de Israel (com Abraão, em 1800 a. C. aproximadamente) marcou o povo judaico, diferenciando-o das demais nações. Abraão, o fundador do povo israelita, abandonou sua terra (Ur da Caldéia) e seus parentes por causa de uma revelação religiosa — a revelação monoteísta — com que foi agraciado em meio a um mundo politeísta e pagão. E foi a crença no monoteísmo que deu coesão e unidade aos filhos de Abraão até Cristo; os judeus sempre viveram em função da sua religião e das expectativas messiânicas que ela lhes apresentava; isto ocasionou entre eles uma mentalidade e um tipo de cultura próprios. Depois de Cristo, espalhados pelo mundo inteiro, sujeitos a ser absorvidos pelas populações com as quais vivem, os judeus não perdem a consciência de constituir um povo próprio, dotado de direitos indevassáveis. Ora isto se deve ao elemento fundamental da sua história: a religião —, embora a maioria talvez dos israelitas não o saiba nem intencione fazer da religião o esteio da sua vida.

Devemos frisar que muito sábias são tais conclusões de Shapiro: os judeus são essencialmente um povo marcado pela religião, e destinado a transmitir ao mundo uma mensagem religiosa, que é a mensagem de Jesus Cristo, em função do qual eles viveram, vivem e viverão; a tenacidade inconfundível do povo de Israel (mesmo após haverem perdido sua esperança religiosa), sua subsistência apesar de múltiplas perseguições sofridas, vêm a ser um dos mais vivos testemunhos da veracidade de Cristo; Israel não se dilui entre os restantes povos, porque, como povo ou coletividade, há de se converter a Cristo no fim dos tempos, segundo afirma São Paulo em Rom 11.

Eis o que torna o povo de Israel tão misterioso e, ao mesmo tempo, tão rico de significado em nossos dias.



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